terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Das coisas e o mundo

I

Quisera eu ser uma prática
que indagasse as coisas da vida
e sentisse o frio na espinha
por cada dia que se anunciasse
trazendo consigo novas frases
ao findar das horas do dia.

Alguns versos pela metade
contendo os textos por inteiro:
as cenas do cotidiano,
bocas, abraço e beijos,
os sentimentos pelas ruas
em frases curtas, curvas,
bêbadas,
embaladas pelo vento.

Da arte que está na ruas
em meio ao lixo e as flores,
discretas, anônimas,
sem levantar suspeitas.

Quisera eu ser uma prática pálida
que indagasse as coisas da vida
e sentisse na pele as dores de um dia!

II

Há tempos a orquestra
executa a mesma sinfonia
e não há nada de anormal
em ver as contradições de um mundo
que há muito tornou-se desigual.

A música é disforme, dissonante:

Pelas ruas há fome,
há desabrigados
embriagados pela luta diária
de se manter em pé,
enquanto muitos caem à beira do caminho
esquecidos, desiludidos com a fé.

Há rios de esquecimento,
abandonos e abandonados,
em baixo de cada viaduto
pontes, placas e marquises
há sempre alguem querendo
pão, vinho e amor.

Há arte nas ruas
e isso não é tudo:
há pessoas e desejos
rostos e retratos!

Deveríamos deixarmos
de sermos tão pragmáticos!

III

Com os pés descalços
passeio pelas calçadas
e vejo a paisagem urbana
vestida de concreto armado:
azulejos, vidros e estruturas
escondedo sentimentos,
discretos, conformados
com a efemeridade das relações,
as horas, as datas, os passos.
Todo dia se acabando,
o fim de ano sempre chegando
e você não os sente passar!

Nem pára pra ver o pôr do sol
porque isso não é modernidade.

IV

Mas continuamos.
É tempo de guerras particulares.
De amores mal resolvidos.
De sangue escorrendo
rente ao peito desfacelado.
De bocas uivando escárnios
na ausência dos beijos.
De corpos procurando uns aos outros,
encenando o sexo sem amor.

É tempo de solidão:
De quartos escuros
e salas vazias.
De Homens vazios
e sentimentos ralos.
De vidas renunciadas
e afagos esquecidos.

Mas corremos para não perder as horas,
e choramos para não perder
a ternura que há na dor.
E também sorriamos
pois nem tudo é sobriedade.
E nos desesperamos
pois nem tudo é calmaria.

Ao garoto de 1992 restam
lembranças,
ansias e anseios.
Desejos recortados entre
sonhos coloridos de um
corpo a mais entre tantas
outras cabeças falantes desses
arquitetos das perdidas ilusões.
Enfim, loucuras eternas!