Historicamente, ter um habitat, possuir um local de moradia sempre foi um instinto natural e uma das principais necessidades do ser humano diante seu modo de vida e sobrevivência. Analogamente a esse tema, num artigo intitulado Construir, Habitar e Pensar, Heidegger analisa o significado de habitar e construir, chegando à conclusão de que habitar é ser, ou seja, o homem é à medida que habita. Contraditoriamente, estima-se que no Brasil o déficit habitacional é de 7,2 milhões de moradias, dado que reflete desigualdades urbanas, contrastando uma necessidade vital a uma realidade de carências.
Nesse contexto, surge a idéia de cidadania, pois habitar é intervir nas ações diárias que impulsionam e movimentam a cidade. Em um âmbito mais abrangente, cidadania está intrinsecamente ligada à habitação. Isso se deve ao fato do homem possuir uma necessidade emocional básica de `pertencer´ à cidade a qual está inserido, ou seja, sentir-se como parte integrante do seu meio através de uma identidade, de maneira que, ao identificar-se com o local que habita, cria vínculos sociais e desenvolve valores culturais . Sendo assim, o primeiro passo para a construção da cidadania é ter moradia de qualidade, pois possuindo-a, ela atua como mecanismo enriquecedor de urbanidade, nessa caso, sinônimo de cidadania, fazendo com que o indivíduo se sinta realmente integrado e pertencente à vida urbana, motivando-o a participar de discussões coletivas em prol de melhorias comuns.
Arquitetura é por excelência uma arte social, e assim como afirmou Vilanova Artigas, a casa popular é o maior monumento do século XX. De fato, esse tema foi e ainda será motivo de muita discussão e divergência. A questão é que, sendo uma necessidade básica do ser humano, a habitação popular deve ser vista como um dos pilares norteadores de políticas públicas e um caminho eficiente para sociedades menos desiguais e excludentes. Porém, a realidade dos programas habitacionais brasileiro é perversa, pois sendo em sua maioria de baixa qualidade, residências minúsculas, idênticas umas às outras, dispersas em vastos loteamentos, tornam irrelevantes as peculiaridades de cada morador, utilizando-se de limitadas tipologias para abrigar diferentes características de habitar. Não obstante, o âmbito do problema não compete apenas às autoridades governamentais, mas é tangente ao arquiteto à medida que ele se afasta da discussão pública e permanece alheio dos anseios habitacionais. O arquiteto deve estar inserido no contexto popular, só assim poderá compreender as carências e as reais necessidades e interpretá-las a fim de desenvolver uma boa arquitetura popular.
Além disso, é preciso tornar a arquitetura mais acessível para a população em geral e não restringí-la apenas a quem está inserido em seu meio. É preciso fazer com que as massas estejam em contato com a arquitetura, seja através das telecomunicações, como a televisão, revistas e internet. Também é pertinente afirmar que é preciso haver maior integração entre os arquitetos através de instituições como IAB e CREA, fazendo destes espaços lugares para debates e reflexões acerca da realidade e das variáveis integrantes do processo urbano.
Não obstante, arquitetura constrói cidadania à medida que proporciona moradia de qualidade, além de estabelecer condições de desenvolvimento de forma ética e esteticamente adequada, afinal arquitetura é o dia-a-dia da cidade e não há como desintegrá-la das outras disciplinas que fazem parte do habitat humano.
Quem sabe assim, quando tivermos arquitetos e governantes integrados ao debate popular teremos aquilo que William Morris desejou para a arquitetura, ser uma arte do povo para o povo.