quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Arquitetura popular

Historicamente, ter um habitat, possuir um local de moradia sempre foi um instinto natural e uma das principais necessidades do ser humano diante seu modo de vida e sobrevivência. Analogamente a esse tema, num artigo intitulado Construir, Habitar e Pensar, Heidegger analisa o significado de habitar e construir, chegando à conclusão de que habitar é ser, ou seja, o homem é à medida que habita. Contraditoriamente, estima-se que no Brasil o déficit habitacional é de 7,2 milhões de moradias, dado que reflete desigualdades urbanas, contrastando uma necessidade vital a uma realidade de carências.

Nesse contexto, surge a idéia de cidadania, pois habitar é intervir nas ações diárias que impulsionam e movimentam a cidade. Em um âmbito mais abrangente, cidadania está intrinsecamente ligada à habitação. Isso se deve ao fato do homem possuir uma necessidade emocional básica de `pertencer´ à cidade a qual está inserido, ou seja, sentir-se como parte integrante do seu meio através de uma identidade, de maneira que, ao identificar-se com o local que habita, cria vínculos sociais e desenvolve valores culturais . Sendo assim, o primeiro passo para a construção da cidadania é ter moradia de qualidade, pois possuindo-a, ela atua como mecanismo enriquecedor de urbanidade, nessa caso, sinônimo de cidadania, fazendo com que o indivíduo se sinta realmente integrado e pertencente à vida urbana, motivando-o a participar de discussões coletivas em prol de melhorias comuns.

Arquitetura é por excelência uma arte social, e assim como afirmou Vilanova Artigas, a casa popular é o maior monumento do século XX. De fato, esse tema foi e ainda será motivo de muita discussão e divergência. A questão é que, sendo uma necessidade básica do ser humano, a habitação popular deve ser vista como um dos pilares norteadores de políticas públicas e um caminho eficiente para sociedades menos desiguais e excludentes. Porém, a realidade dos programas habitacionais brasileiro é perversa, pois sendo em sua maioria de baixa qualidade, residências minúsculas, idênticas umas às outras, dispersas em vastos loteamentos, tornam irrelevantes as peculiaridades de cada morador, utilizando-se de limitadas tipologias para abrigar diferentes características de habitar. Não obstante, o âmbito do problema não compete apenas às autoridades governamentais, mas é tangente ao arquiteto à medida que ele se afasta da discussão pública e permanece alheio dos anseios habitacionais. O arquiteto deve estar inserido no contexto popular, só assim poderá compreender as carências e as reais necessidades e interpretá-las a fim de desenvolver uma boa arquitetura popular.

Além disso, é preciso tornar a arquitetura mais acessível para a população em geral e não restringí-la apenas a quem está inserido em seu meio. É preciso fazer com que as massas estejam em contato com a arquitetura, seja através das telecomunicações, como a televisão, revistas e internet. Também é pertinente afirmar que é preciso haver maior integração entre os arquitetos através de instituições como IAB e CREA, fazendo destes espaços lugares para debates e reflexões acerca da realidade e das variáveis integrantes do processo urbano.

Não obstante, arquitetura constrói cidadania à medida que proporciona moradia de qualidade, além de estabelecer condições de desenvolvimento de forma ética e esteticamente adequada, afinal arquitetura é o dia-a-dia da cidade e não há como desintegrá-la das outras disciplinas que fazem parte do habitat humano.

Quem sabe assim, quando tivermos arquitetos e governantes integrados ao debate popular teremos aquilo que William Morris desejou para a arquitetura, ser uma arte do povo para o povo.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Trezes

Desenhar a noite como um romance policial


Névoas pairando sobre a cidade que adormece despercebida

Enquanto cães vagam solitários celebrando a loucura

Como poetas trancafiados em seus quartos

Escrevendo à eternidade de suas desilusões


Assim como a insistência do beijo

E toda a lambança daquele sentimento

Que como chama em brasa aos poucos foi se apagando

Certos amores são como células cancerígenas

Que silenciosamente se alastram pelo corpo

E tornam estéril o que era orgânico.


Agora à distância

Seus olhos são faróis que já não guiam

Nem iluminam o caminho

Que eu sempre soube enxergar.


A convivência é uma doença contagiosa.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Doze

Não desejais alegrias que não forem sinceras!

Não haverá homem que depois da calmaria não se deparará com tempestades
Nem tardes azuis antes da incerteza de noites escuras.

De transfigurações é feita a natureza dos sentidos
Tão vulneráveis quanto os próprios corpos
De homens frágeis.

O amor é a roda-gigante dos fatos.

Não cantarei o amor que não tive
Ou aquele que não soube cuidar.
Mais vale o presente esquecido que o passado guardado
Como imagens distorcidas
Pelo efeito de ausência e saudade.

As suas mãos eram tão levianas quanto à superficialidade daquele amor.

Agora,
Ver-lhe na companhia de outro já não machuca como costumava acontecer.

De fato,
Estamos sempre seguindo em frente por maior que seja a vontade de ficar
Assim como às vezes as horas também parecem não querer passar.

Ave, involuntariedade do tempo
Que conduz sem consultar nossas intenções!

domingo, 9 de outubro de 2011

Nove

Por tudo aquilo que esteve perto
E de repente tornou-se distante.
Por todas as coisas que eu quis
E agora são parcelas de passado.

Como uma venda a prestações
Fui quitando os meus sonhos
Um a um
Até poucos restarem.

Resquícios de tempo
Em que a eternidade parecia alcançável.

Agora sentado à beira do caminho
Vejo como a vida tem passado
E me deixado à margem de qualquer solução.

Poucos amigos, algumas felicidades
Dispersos em dias comuns
Em que pareço ser só mais um
Entre tantas formas iguais.

Nem se quer um amor
Pra preencher o vazio
Que se abre diante de mim
Quando o tempo se recusa a passar.

Sem companhia, sem outras mãos
E tudo aquilo que faz bem ao coração
E ajuda a viver.

Talvez escrever uma balada
Ao lado de Deus e uma garrafa de vinho
Sobre uma época remota
Em que delírios eram tudo o que eu tinha.

Mas só por hoje não quero lembrar
Que mais uma vez pensei em desistir.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Sete

Sentado às horas da noite,
Sou criança diante da tarde de sol.
Da janela escutam-se vozes
E de ruídos se constitui a cidade
Que agora repousa à agitação do dia
Como homem descansando depois do trabalho
Com o sentimento de dever cumprido
Por mais que não seja novidade.

Pessoas passam pelas ruas pra qualquer direção.
Estamos sempre procurando o que fazer.
Muitos de nós não suportam a solidão,
Nem sabem fazer com que o tédio dê frutos.

Hoje a música soa sonolenta
Como amanhecer de inverno.
E em meio ao vazio do quarto
Sou solitário de sexta à noite
Enquanto o final de semana se anuncia pela janela.

E nessa brincadeira de não ver o tempo passar,
Ele está passando e deixando suas marcas:
Novas rugas, outras falhas:
Tudo o que eu tenho direito e não há como evitar:
Somos animais sofrendo constante ação do tempo
Enquanto vivemos à custa de prazeres da carne e da alma.

Só por hoje não quero pensar
Que a sua ausência era o pior que eu poderia fazer,
Pois se há motivos pra sorrir
Melhor não se preocupar com o que a manhã irá trazer.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Canção sob o sol

Querida,
Sei que o tempo agora é outro.
O frio já não nos assola como há pouco fazia,
Nem o seu corpo é meu objeto de desejo
E artifício calmante de minhas angústias.

Bem sei
Que o passado é o presente guardado
Freqüentemente revivido pela nostálgica saudade
Daquilo que fez bem e agora é ausência.

Sempre haverá velhas histórias contadas por outras bocas
Entremeadas por novos sonhos
Pois nem tudo é completamente esquecido que não seja lembrado.
Muitas mortes permanecem vivas
Em um constante ressuscitar!

Quisera eu lhe contar uma história à boca da noite
Sobre felicidade à distância dos seus olhos,
Os mesmo que um dia sorriram pra mim
E agora iluminam outros rostos que não o meu.

À luz da cidade a noite se põe em contradição:
O tempo está passando,
A vida sendo consumida
Enquanto nos perdemos à custa de aventuras.

Entretanto,
Mesmo que os ventos tenham mudado de direção
Eles continuam soprando ao nosso favor
Trazendo tempestades e calmarias
Assim como sempre foi.

Mas querida,
Abra a sua janela,
A primavera chegou.