domingo, 28 de novembro de 2010

O amor e os animais

Hoje minhas veias estão abertas:
o filho que não tive
a mulher que não amei
os dias que não houveram
e aqueles que ficaram
feito fagulha no isqueiro
que se acende
ou a luz fraca
que se apaga
e então tudo passa
e vira lembraça

Já estou cansado de me sentir sozinho
acho que preciso de alguem
ou um abraço que me encha
de amor

Pois se os outros animais precisam de um par
então por que eu também não hei de precisar?

Sou um animal na noite escura
com os pés descalços na areia:
enquanto corro eu canto
e enquanto canto eu grito
invento uma saudade
outra mentira
pra esquecer
de que há dias que não vale a pena viver
e que em outros
estar vivo é o melhor que poderia acontecer

Por isso eu canto
pra celebrar o instante
e sentir o pulso pulsar

Se é que realmente pulsa!

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Amor

Há dias que venho reparando em você:
faço uma cena, enceno um teatro
tudo pra chamar a sua atenção
e você não vê.

Não vem me encontrar
nem pára pra me ouvir:
à distância vejo você passar
e isso é tudo!

Já fiquei parado de madrugada na esquina
esperando você passar
mas ao te ver as palavras se calaram
e a voz se calou
apenas um gesto tímido a dar vida à madrugada.

Se das noites você me soubesse
entre tantos rostos diferentes!

O amor é o princípio da vida
o abraço que acolhe
o fogo que aquece
o combustível que movimenta.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Envelhecer e não ver o tempo passar

E daqueles velhos dias
transformados pelo tempo
em reminiscências e saudades
percebo quão rápido são as coisas
e frágeis alguns laços
e breves outros afetos.

Talvez se eu pudesse lembrar de cada momento
ou esquecê-los por inteiro:
pois vagas e desbotadas
são as lembranças e imagens da memória.

Percebo que o tempo passou!
Que o meu rosto já não esboça os mesmos traços de antes
Que já não sou o mesmo de há três ou quatros anos atrás:

O tempo passa e modifica o estado das coisas!

Eu, uma coisa envelhecendo
criando rugas e barriga
sentindo o peso da vida
entre dias e solidão.

O que se fez daquele menino
que se perdia em sonhos e alegrias
enquanto a vida lhe abraçava?

``Elas não seriam nada!
Assim como nós, por enquanto!´´

Tanto tempo que o tempo era pouco
e agora é tanto e pouco!

Me perco em dias e lembranças
alegrias, tristesas e passado
Sou só mais um cara entre tantos
outros sonhos e desejos e
não vejo porque não aceitar:

Talvez a lógica da vida seja
envelhecer sem ver o tempo passar

Ou esquecer de se lembrar
e apenas viver!

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

A uma alma beat

Tu te despistes e ficastes nu diante da vida:
a verdade mais cruel.
Não pensaste em ira, dinheiro ou papel: apenas os ideais.
Tu agora és um rei, dos pés à cabeça,
sem ter um reino ou uma coroa de pratas a cobrir a calva,
talvez uma de espinhos que tirastes para caminhar
sobre os mesmos pés que outrora te levaram em outras direções:
os ventos mudam e dissolvem as esperanças sonhadoras.

Nem bem sentistes a glória de teu ser
e já caístes à beira do caminho.

Não chores, velho bardo
a morte é o próprio canto dos que vivem.

Tuas unhas crescem tanto quanto os teus cabelos opacos.

Tu que cantastes o amor e a loucura
agora és solitário, bem vês que tua barba
não te mostra por inteiro:
profeta visionário das noites escuras
tu que encontrastes a chave no sol da janela
e gritastes ao porvir tuas angústias e desesperos:
eu ouvi a tua voz na madrugada
falando sobre flores recém cortadas
jogadas ao chão
em gestos de agonia;

As tuas mãos imitando raízes sobre a terra
buscando aquilo que não se pode tocar;

Na madrugada que ventava esquecida,
eu ouvi a tua voz de velho perdido em outros mundos
que não este aqui.

Tu que tirastes as tuas roupas e posastes a sós para o delírio.
Tu que ficastes a sós com os pensamentos mais sórdidos
de um homem de alma beatificada.
Tu, poeta beat, visionário dos dias escuros:

O sol é bonito, mas a noite é misteriosa.